Sementes Livres

Pedro Balensifer

Extensionista rural e pesquisador em agrobiodiversidade

Trabalha em comunidades rurais junto a agricultores e agricultoras guardiões de sementes crioulas no Agreste Meridional de Pernambuco, Brasil, desde 2012.

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 A Rede SEMEAM e o trabalho coletivo de conservação da agrobiodiversidade no Agreste Meridional de Pernambuco

                                                                           Por Pedro Balensifer 

Há milênios, o ser humano passou a domesticar espécies vegetais e animais em diferentes partes do mundo, proporcionando assim o nascimento da agricultura e da pecuária, o que permitiu o surgimento das primeiras vilas e povoados pelo processo de sedentarização em um mesmo território e desta forma surgiu a profissão mais importante do mundo: o agricultor. Afinal, você se imagina tendo que comer 3 vezes ao dia sem o trabalho dos agricultores e agricultoras para produzir os alimentos que consumimos? Podemos até conseguir viver sem um médico, sem um advogado ou um engenheiro, mas não conseguiríamos viver sem os agricultores.

As populações camponesas, indígenas e tradicionais são verdadeiras guardiãs da agrobiodiversidade (parte da biodiversidade do planeta que é cultivada) composta por inúmeras variedades de sementes antigas ancestrais que se adaptaram durante muito tempo a diversos locais de cultivo, clima, solo e biomas. As chamadas sementes crioulas são o resultado da domesticação realizada durante milênios e existem até hoje pela salvaguarda de agricultores que entendem a importância de preservar essa história e esses materiais que garantem segurança e soberania alimentar e nutricional, mas também se formam como símbolo de resistência e diversidade contra uma agricultura moderna industrial empobrecida ecologicamente e esgotante dos recursos naturais.

Diante disso, em muitas partes do mundo comunidades de agricultores tem se mobilizado em redes e em movimentos para cuidarem de suas sementes e evitarem o desaparecimento destas, diante das pressões exercidas pela agricultura industrial e por empresas de sementes comerciais, além dos efeitos negativos ocasionados pelas mudanças climáticas e instabilidades sócio-políticas em sociedades, como o caso de guerras que provocam êxodo, migrações e perda de variedades ancestrais de sementes.

Nesse sentido, no ano de 2015 em Garanhuns, Pernambuco, Brasil, surge a Rede de Sementes Crioulas do Agreste Meridional de Pernambuco - Rede SEMEAM, articulação entre bancos e casas comunitárias de sementes, ong´s, movimento sindical rural, cooperativas e instituições públicas, que buscam criar processos coletivos e animadores de resgate, uso e conservação de variedades locais, crioulas e tradicionais de sementes que existem nos agroecossistemas dos agricultores familiares do território. Com apoio do serviço de assistência técnica e extensão rural pública do Instituto Agronômico de Pernambuco - IPA, por meio do seu Grupo de Agroecologia, GEMA-IPA, e amparado na base formada pelo Programa Sementes do Semiárido da ASA (Articulação do Semiárido Brasileiro), que criou entre os anos de 2015 e 2016 diversos bancos comunitários de sementes em comunidades rurais, a Rede SEMEAM vem animando agricultores e agricultoras deste território para a valorização dessas sementes e desse conhecimento associado nesse manejo histórico desses roçados familiares.

Como parte das atividades, a Rede SEMEAM anualmente realiza um seminário temático de debates sobre conhecimentos e experiências de conservação da agrobiodiversidade e uma feira regional de troca de sementes, além do apoio a implantação de roçados comunitários de sementes crioulas e a colaboração na orientação quanto ao fortalecimento da gestão coletiva dos bancos de sementes. Ainda, são projetos da Rede a venda do feijão crioulo agroecológico como estratégia de divulgação de variedades tradicionais para novos consumidores em canais alternativos de comercialização, uma vez que essas variedades geralmente não encontram acesso nos mercados convencionais, além da realização de palestras e oficinas de conservação da diversidade genética local, junto a universidades, escolas, coletivos e movimentos agroecológicos.

Como resultado desses anos de trabalho, a Rede SEMEAM, com participação de extensionistas rurais do GEMA-IPA, junto com diversos agricultores e agricultoras, já identificaram a ocorrência de 42 variedades de feijão comum (Phaseolus vulgaris L.), 10 variedades de milho (Zea mays L.), 19 variedades de fava (Phaseolus lunatus L.) e tantas outras de jerimum, batata-doce, macaxeira e hortaliças, que são conservados pelos agricultores. Uma grande riqueza de dezenas de variedades diferentes de sementes tem sido encontradas nos agroecossistemas e comunidades rurais deste território sendo conservadas há várias gerações familiares. O Agreste Meridional de Pernambuco, conhecido como território do feijão, apresentam sementes tradicionais cultivadas em tempo acima de 3 gerações familiares como o feijão favita, feijão pau, feijão leite e variedades de feijões mulatinhos, além do milho batité que é bastante antigo nas lavouras destes agricultores.

O avanço das sementes comerciais, híbridas e transgênicas, vendidas em lojas agropecuárias se apresentam como uma ameaça para a manutenção dos materiais locais e crioulos, tanto pela substituição de um tipo de semente por outro (crioulas x comerciais), como pela contaminação genética de transgênicos, especialmente no caso do milho, por se tratar de uma cultura de polinização aberta. Portanto, cuidar do nosso planeta é urgente, garantindo a conservação dos recursos naturais e plantando sementes crioulas, que além de ser uma prática sustentável, é um ato nobre de continuação do processo de coevolução entre ser humano e natureza, iniciado há 10.000 anos pela humanidade.

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